Casa e trabalho no ano que vem
Para esta última edição do ano (sim, teremos um breve recesso até janeiro de 2022) escolhi sair um pouco do cenário macro (para ter a nossa visão sobre as perspectivas macroeconômicas para o ano que vem – vejam minha última carta) e olhar para as tendências de comportamento do consumidor (preferências e possibilidades). Em 2022 viveremos o terceiro ano da pandemia (não terminou) em um contexto de ampla vacinação, com forte redução de mortes, mas ainda lidando com incertezas com relação à variantes e eventuais ondas de aumentos de casos. Com todas as dificuldades o contexto é de abertura. Já tivemos um período relativamente longo em que pessoas e empresas não só tiveram que se adaptar para as fases mais agudas, mas agora passaram a desenhar suas estratégias para o que vem pela frente. Vou organizar o texto em duas partes: primeiramente vamos falar de preferências do consumidor com base nas diversas pesquisas realizadas pela DataZAP+. Na sequência abordaremos as estratégias
das empresas, olhando para o que já foi anunciado em termos de modelo de trabalho para o próximo ano.
Para analisar as preferências dos consumidores vale recuperar rapidamente o contexto: a pandemia nos forçou a passar muito mais tempo em casa e muitos passaram a trabalhar remotamente. O acesso à serviços e amenidades urbanas (lazer e entretenimento) foram muito restringidos. Em economia dizemos que o balanço entre custos e benefícios da proximidade física foi impactado fortemente (aumento dos custos e redução dos benefícios). As pesquisas DataZAP+ mostram que o novo contexto reconfigurou as preferências frente às características tipológicas e à localização.
Fica evidente que as pessoas passaram a almejar morar em residências maiores, com espaços mais divididos e áreas abertas (varandas que já eram desejadas no pré-pandemia mantiveram sua relevância). Algumas implicações podem ser derivadas. Em primeiro lugar a tendência de forte compactação vista em algumas cidades deve ser requalificada. Acredito que os apartamentos compactos ainda terão muita demanda, mas os projetos poderão merecer ajustes. De outro lado, a demanda por casas cresceu de forma relevante. Além disso, a preferência por espaços divididos revalorizou plantas antigas e sugere caminhos para inovações em plantas novas.
Com relação à localização, a presença local de comércio e serviços foi um grande destaque em nossas pesquisas. Apesar do expressivo aumento do uso do comércio eletrônico e dos serviços de entrega, o acesso rápido e presencial permaneceu relevante. Além disso, a proximidade ao trabalho perdeu alguma relevância. Como resultado, observamos dois movimentos. De um lado um aumento das buscas por bairros menos centrais e de outro um aumento muito expressivo da demanda por municípios no interior e no litoral (incluindo as segundas residências). Aqui vale notar que esses movimentos produziram impactos assimétricos nas regiões de origem e destino. Como as regiões de destino são menores, a chegada de novos moradores (ou visitantes) produziu mudanças relevantes (em preços, abertura de serviços e investimentos em infraestrutura de internet). Os condomínios de casas no interior de São Paulo são claramente um destaque. Já as regiões de origem, por serem bairros com populações maiores, não sofreram até o momento restruturações que sugiram mudanças permanentes em suas dinâmicas. Os mercados para apartamentos em bairros que já eram atrativos antes da pandemia continuam valorizados.
Para pensar no que pode vir pela frente precisamos colocaras empresas na estória. Muito do que será possível se consolidar como mudança vai depender dos novos modelos de trabalho.
Uma coisa é certa. Vai haver muita experimentação e ainda é cedo para dizer se as escolhas realizadas para atravessar 2022 serão vencedoras. Sabemos também que a incorporação do trabalho remoto vai ganhar bastante espaço em diversos setores de atividade. E no momento a grande aposta é que os modelos híbridos deverão permanecer mesmo após uma eventual superação completa da pandemia. A abordagem se justifica na hipótese de que os benefícios (menor custo de transporte, menor conta de aluguel, possibilidade de contratar pessoas morando em diversos lugares, mais qualidade de vida, etc) supera os custos (essencialmente a perda de produtividade e engajamento dos profissionais gerados por conta da interação presencial).
Mas o que significa um modelo híbrido? A definição não é muito precisa uma vez que as combinações de escritório e home office poderão ser muito diversas e certamente haverá um caminho de evolução. É claro também que a adaptação a modelos híbridos vai variar muito entre os diversos segmentos de atividade. De qualquer forma é muito provável que a demanda por área bruta locável seja reduzida. No entanto, ao que tudo indica, essa redução será bem menor do que foi antecipado por muitos analistas com o advento da pandemia. Na realidade já estamos observando recuperação na procura por imóveis comerciais em nossos portais (para detalhes recomendo o texto de Coriolano Lacerda – gerente de inteligência de mercado da Datazap+ – publicado na Exame esta semana).
Tudo junto, a meu ver, é possível dizer que com dois anos de pandemia mudanças de comportamento são visíveis e apontam para ajustes graduais na distribuição espacial de residências e atividades. No entanto, ainda não é possível enxergar alterações relevantes nas dinâmicas urbanas das grandes cidades. Se esse quadro deve estabilizar ou estamos apenas no primeiro capítulo de algo muito mais transformador dependerá fundamentalmente dos sucessos e fracassos dos experimentos que as empresas farão com as diversas modalidades de trabalho híbrido. As relações entre casa e trabalho se transformaram ao longo dos séculos. Qualquer que seja o cenário para os próximos anos, 2022 será o marcado por acomodar a implantação dos experimentos em preparação à vida no pós-pandemia.
Grande abraço,
Danilo Igliori
VP Economista Chefe do ZAP+