TALK TO A REPRESENTATIVE
Cartas ao Mercado

Inflações

04/10/2021
Cartas ao Mercado

Inflações

04/10/2021

Inflações

O tema desta edição não foi uma escolha. Acompanhando o noticiário e análises ao longo da semana passada, em meio a tantos assuntos relevantes, um tema destacou-se: a volta da inflação. De início declaro que subscrevo a necessidade de nos preocuparmos. Ao explorar os elementos que compõem a análise do processo inflacionário foi inevitável viver certa nostalgia. Vou me permitir algumas linhas sobre minha própria experiência com o fenômeno da inflação…

Entrei no curso de Economia na FEA/USP em 1988. Naquela época vivíamos a hiperinflação no Brasil e o fracasso do Plano Cruzado havia botado fogo nos debates sobre políticas de combate. Discutia-se sobre a força da inércia e o papel das expectativas. Empiricamente estudávamos como incorporar o passado (expectativas adaptativas) e o futuro (expectativas racionais) nas estimativas econométricas. Tive a sorte de fazer três cursos de macroeconomia com professores de primeiríssima linha (pela ordem cronológica: João Sayad, Helio Nogueira da Cruz e Affonso Celso Pastore). Eram tempos para ler Keynes e os novos manuais que surgiam (com destaque para Dornbush e Fischer). Poderia ocupar a carta inteira com essa estória mas para os interessados recomendo o livro “Inflação e Crises”, publicado recentemente pelo Prof Pastore.

Em 1993, no primeiro registro CLT em minha carteira de trabalho meu salário aparece em milhões de Cruzeiros (e aumentava todo o mês) e corríamos para o supermercado para gastar o mais rápido possível na tentativa de proteger nosso poder de compra. Pois bem, em 1994 com o Plano Real, essa realidade se transforma por completo. Passamos a conviver com inflações baixas e próximas do contexto internacional. Quem nasceu em 1994 tem hoje 27 anos e tudo o que relatei acima é literalmente parte da história. Muitos adultos não viveram o período inflacionário. Acreditamos e esperamos que a hiperinflação continue sendo algo apenas do passado, mas 2021 soaram as sirenes. A inflação voltou a crescer fortemente com a Pandemia em todo o Globo. E, dado nosso histórico, no Brasil temos motivos redobrados para sermos vigilantes.

A inflação global tem pelo menos dois grandes fatores: primeiramente a pandemia produziu fortes desequilíbrios entre oferta e demanda em setores importantes. De um lado cadeias de suprimentos foram impactadas com a redução ou paralisia de processos produtivos. De outro houve uma reconfiguração da demanda. A procura por serviços despencou, mas o consumo de bens manufaturados cresceu bastante. O segundo fator vem do impulso na demanda causado pelos pacotes de auxílio emergenciais implementados em muitos países (que ampliaram medidas de aumento da liquidez presentes desde a última crise financeira). Um setor particularmente afetado foi o de energia. As chamadas commodities também puxam a fila dos maiores aumentos de preços.

Naturalmente, a inflação brasileira tem que ser pensada dentro deste contexto mais amplo. Mas como indicado acima nossa realidade doméstica tem seus contornos particulares, destacando-se nossa fragilidade fiscal, a eterna ameaça do retorno da indexação, além da crise hídrica. Mas e na prática?

E no mercado imobiliário? Como mapear impactos? Minha sugestão é fazer uma decomposição do problema, indo do macro para o micro e utilizando uma de índices de preços compilados no país. Quando se trata de verificar os impactos na vida de cada um temos, na verdade, que considerar as “diversas inflações”.

Começamos pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor). O IPCA segue o que ocorre com uma cesta de consumo média entre as famílias. Aqui tem peso o varejo, os serviços, habitação e transportes. É a inflação do dia a dia e, também, a que orienta a política monetária (influenciando por exemplo a taxa Selic). Pelo IPCA, a inflação ameaça a chegar aos dois dígitos enquanto os componentes de alimentos e transportes já estão muito acima disso. Para o mercado imobiliário o importante é que a inflação do IPCA mostra a pressão sobre a renda das pessoas o que, por sua vez, as faz repensar decisões de mudança (ou investimento). E, claro, as pressões registradas pelo IPCA já fizeram a Selic vir de 2% a 6,25% durante 2021 e os analistas econômicos já esperam que ela não pare de subir até pelo menos 9%. Os impactos dos aumentos de juros nos mercados imobiliários são sempre relevantes (falaremos mais sobre isso em breve).

Na sequência é importante examinar o IGP-M (Índice Geral de Preços). Como o nome sugere o IGP-M pretende captar de forma ampla os movimentos dos preços na economia. Para tanto, o índice é por sua vez composto pela média ponderada de outros três índices: índice Preços ao Produtor Amplo – IPA (60%), Índice de Preços ao Consumidor – IPC (30%) e Índice Nacional do Custo da Construção – INCC (10%). Impactado fortemente pela alta do Dólar e dos preços de commodities importadas o IGP-M chegou a bater acima de 30% ao ano.

No nosso mercado, a alta do IGP-M gerou dificuldades na atividade de locação. Como todos sabem o IGP-M é o principal indexador utilizado para reajustes em contratos de aluguel. Renda pressionada com o IGP-M nas alturas fez com que muitos locatários buscassem a negociação ou mesmo o término dos contratos. Apesar dos transtornos e custos envolvidos, sempre digo que é possível trocar de indexador de contratos buscando alternativas que sejam um reflexo mais fiel da realidade do mercado de locação e das partes interessadas. Em princípio não existem obstáculos para utilizarmos o IPCA ou índices de preços de imóveis (como o FipeZAP que já é calculado para 25 cidades em todo o país). Médias ponderadas de índices também pode ser uma opção, a escolha do índice com menor (ou maior) variação entre uma cesta de índices ou até mesmo não utilizar índice nenhum, deixando os reajustes para negociações periódicas. Enfim, podemos ter flexibilidade contratual.

Mas tem um componente do IGP-M que reflete algo mais difícil de contornar: os custos da construção. Claro que estou falando do INCC que já ultrapassou os 15% anuais. Os custos da construção foram pressionados pelos descasamentos entre oferta e demanda, global e localmente. De um lado insumos estão muito mais caros por conta da inflação mundial e desvalorização cambial. De outro, observamos um expressivo aumento da atividade imobiliária (via construção ou reformas – por favor ver a carta da semana passada). Acreditamos que ocorra uma reversão relativamente rápida neste processo daqui para frente, mas impactos já estão sendo sentidos. O mercado de imóveis novos e as perspectivas de lançamentos são as que sofrem de imediato, mas será inevitável ajustes nos mercados de usados em algum momento. E como estão os preços de imóveis.

Para acompanhar os preços nos mercados imobiliários, há 10 anos contamos com a família de índices FipeZAP que hoje cobre mais de 50 cidades para compra e venda residencial e 25 cidades para a locação residencial (além de termos os índices para compra/venda e locação comercial para uma dúzia de municípios). Nossa cobertura geográfica dá ênfase às diferenças locais entre oferta e demanda por imóveis.

Vemos, por exemplo, que enquanto em Vitória o índice de compra e venda residencial está crescendo mais de 18% em 12 meses, no Rio de Janeiro não chega a 3%. Sendo que a média nacional está em torno de 5% e vem consolidando um processo de alta, mas ainda moderada e consistentemente abaixo da inflação do IPCA. Já o FipeZAP de locação residencial, na média, descreve uma trajetória bem diferente da compra e venda. A inflação do aluguel foi perdendo força durante a pandemia e só recentemente mostra alguma recuperação. Novamente, as variações locais são expressivas, mas acreditamos que os impactos negativos na renda de uma forma geral foram sentidos mais rapidamente nos contratos de aluguel (como é de se esperar).

E o que deve acontecer com a minha carteira de imóveis em um bairro ou mesmo numa rua específica? Aí os processos inflacionários mais amplos terão o seu peso, mas cada caso trará suas particularidades configurando o desafio tão essencial para os profissionais do setor imobiliário que é o de juntar o contexto macroeconômico com as realidades microeconômicas.

Resumo: O processo inflacionário está cada vez mais preocupante. De amplitude global, o aumento da inflação ganha contornos domésticos naturais (crise hídrica) e históricos e de desequilíbrios presentes (fragilidade fiscal) e merece atenção redobrada. O mercado imobiliário sempre está sendo impactado pela inflação mais ampla diretamente por seus efeitos sobre a renda, mas sofre também com aumentos nos custos de construção. No geral, preços dos imóveis vem reagindo de forma moderada, mas esperamos que as pressões ainda tenham algum espaço para aumentar, particularmente nos segmentos de imóveis novos.

Como mencionei rapidamente na semana passada, a política monetária já está sintonizada com o combate à inflação. Ainda restam dúvidas em que medida a política fiscal irá na mesma direção. Já sabemos que o processo dedesinflação terá custos e tomará algum tempo. Mas de qualquer forma os alertas já estão todos ligados e temos plenas condições de mais uma vez dominar o proverbial dragão da inflação. Em respeito aos sofrimentos e legados produzidos pelo que vivemos nas décadas de 1980 e 1990 temos este dever como sociedade.

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