Colaboração: Mariana Wik Atique, Pedro Tenório, Larissa Gonçalves e Sergio Andre Castelani
INTRODUÇÃO
Em grandes centros urbanos, como é o caso de capitais e metrópoles do Brasil, o fluxo de trânsito, as distâncias a serem percorridas, o tempo e custo de deslocamento são tópicos que são sempre levados em consideração no dia a dia da população, o que torna ainda mais relevante a escolha da localização de moradia e do meio de transporte.
A escolha pelas regiões mais centrais da cidade trazem a comodidade de estar mais próximo de grandes centros de trabalho e recursos, como uma maior disponibilidade de comércios, serviços, opções de lazer e acesso a mais alternativas de transporte público. Porém, tudo isso tem um preço, de modo que quanto mais próximo dessas comodidades, maior tende a ser o custo do m² de moradia.
A partir disso, para além do tempo a ser percorrido, a relação entre custo de moradia versus custo e disponibilidade de meios de transporte são relevantes para a tomada de decisão. Neste quesito, com base na escolha da melhor maneira de deslocamento, seja por transporte público, aplicativos de mobilidade ou por veículo próprio, torna-se crucial na escolha de uma moradia, a presença ou não de uma vaga na garagem.
Considerando a importância da mobilidade para a formação de aglomerações urbanas, e consequentemente, para o custo de moradia, o presente trabalho busca contribuir para conhecimento e debate dentro do mercado imobiliário, ilustrando e trazendo discussão sobre o preço de um atributo no imóvel, mais especificamente, da vaga de garagem.
Diferente de outros produtos mais homogêneos, em que utiliza-se o custo de produção como principal variável para estipular o valor final, o que dificulta a precificação no mercado imobiliário é a qualidade diversa que um imóvel pode apresentar, sendo composto de um pacote de características (SHEPPARD, 1999), bem como influenciado por fatores locacionais e ambientais.
Diferente de arroz ou parafuso, o imóvel é um bem complexo cujo valor pode ser decomposto no seu conjunto de características que o definem. Isto é, é possível olhar um imóvel como um pacote das características que o definem – os quartos, a cozinha, a localização, a vista, e todos os demais aspectos que compõem um imóvel. Nesse sentido, dá-se a dificuldade em precificar um imóvel: literalmente não existem imóveis iguais, pois sua localização e posição necessariamente mudam.
O preço final do imóvel, visível aos agentes de mercado, é o resultado do conjunto dos atributos físicos e locacionais do imóvel. O que é invisível, é o preço/valor de cada atributo que compõe esse imóvel. Afinal, qual o valor médio de um cômodo de um imóvel? Quanto vale apenas o dormitório deste imovel? Vale a pena um imóvel ter uma vaga de garagem? Qual o valor médio dessa vaga?
Para responder essa pergunta, utilizamos a teoria de preços hedônicos e modelagem espacial, por meio de um modelo semiparamétrico para estimação dos preços implícitos de imóveis na cidade de São Paulo. A partir desse modelo, é possível mensurar a parcela do valor médio de uma vaga de garagem sobre o valor de um imóvel. Foram utilizados dados de apartamentos residenciais dos portais imobiliários ZAP e Viva Real.
METODOLOGIA
Para estimar o valor médio das vagas de garagem, utilizamos uma regressão matemática, em que o preço de um imóvel é formado por um conjunto de variáveis que ajudam a explicar o preço final do mesmo. A base de dados é composta por anúncios de venda e locação de imóveis da cidade de São Paulo, e de venda para Guarulhos, Santo André, São Bernardo, São Caetano do Sul e Osasco, anunciados nos portais da ZAP Imóveis, Viva Real.
Aplicamos um método semiparamétrico, que permite combinar os benefícios de modelos paramétricos com modelos não paramétricos (Thorsnes e McMillen, 1998). A parte paramétrica nos possibilita interpretar a influência direta entre componentes de um imóvel e seu valor total, como, por exemplo, espera-se que a relação entre a idade de um empreendimento e seu preço apresente sinal oposto. Enquanto a parte não-paramétrica introduz a relação e distribuição da dinâmica espacial, considerando o efeito da localização sobre o preço do imóvel. No final, o modelo possibilita isolar a magnitude de um atributo sobre o valor total do objeto estudado.
Este modelo, ao aplicar maior peso aos imóveis semelhantes mais próximos entre si, consegue capturar a riqueza local do mercado imobiliário. Por exemplo, num bairro afastado de casas ou apartamentos grandes, espera-se maior relevância de espaço e vagas de garagens, pois estes elementos atendem o perfil familiar que o habita. Em bairros centrais mais próximos às redes de transporte público e aos centros de emprego, tende a existir um mercado importante de apartamentos menores sem vagas de garagem, focado nos jovens que optam por morar próximo ao trabalho e desejam usufruir da vida urbana ao máximo.
Nos resultados apresentamos os dados tanto em valores nominais quanto em valores proporcionais ao valor final do imóvel. A justificativa é de que um imóvel mais caro tende a acompanhar um valor de vaga de garagem alto também. Porém, em geral, essa relação é não-linear, em função da própria dinâmica do mercado imobiliário. Também é importante ressaltar que a análise utilizada neste trabalho considera o valor médio de uma vaga, de maneira que não supomos que o valor de uma segunda vaga de garagem seja diferente da primeira, nem mesmo para uma terceira e por assim em diante (em termos técnicos, o modelo considera o valor marginal das vagas de garagem constante).
RESULTADOS
Os resultados do modelo discutido anteriormente são apresentados por meio do mapa abaixo, em que cada ponto é referente a um empreendimento diferente, e a escala de cores representa a magnitude do valor médio de venda ou locação, de uma da vaga de garagem em relação ao valor total de mercado do apartamento. Dessa maneira, cores azuis demonstram porcentagens abaixo da mediana da região metropolitana de São Paulo, e cores avermelhadas, acima da mediana. Em outras palavras, quanto mais azul a cor do ponto, menor o peso de uma vaga de garagem sobre o total do apartamento, enquanto para pontos mais vermelho, maior é este peso.
Figura 1. Participação do valor médio de venda de uma vaga de garagem sobre o valor total do imóvel
A dinâmica das cores do mapa de valor percentual de compra e venda de uma vaga de garagem mostra uma menor participação sobre o valor total nas regiões centrais da RM de São Paulo, considerando o centro expandido, centro-sul (Vila Mariana, Moema, Itaim Bibi, Campo Belo, Vila Andrade, Santo Amaro), centro-oeste(Alto de Pinheiros, Butantã, Vila Leopoldina, Lapa, Pinheiros, Perdizes) e zona norte. Por outro lado, conforme os pontos se afastam da região central, aumenta a relevância do valor médio de uma vaga sobre o valor do imóvel.
Em dezembro de 2021, o valor médio de venda de uma vaga de garagem para a Grande São Paulo (ABC, Osasco e Guarulhos) foi de R$50.966, podendo começar de R$5.043 e indo até R$145.552. Quando restringimos a análise apenas para a cidade de São Paulo, a média cai para R$ 49.455. Porém, para melhor compreender o quanto uma vaga de garagem representa sobre o valor médio total de um imóvel, é mais interessante observarmos o percentual da participação da vaga de garagem, isso porque, em geral, quanto maior o preço de um imóvel, maior tende a ser o preço médio de uma vaga.
A partir da mesma análise acima, o percentual médio de venda de uma vaga de garagem para a Grande São Paulo (ABC, Osasco e Guarulhos) é de 7,50% sobre o valor total do imóvel, variando de 1,05% a 17,24%. Apenas para a cidade de São Paulo a média cai para 6,45%. Em geral, é possível observar uma relação inversa entre regiões centrais e com disponibilidade de estações de metrô e a participação média da vaga de garagem.
Em relação aos valores de aluguel, a dinâmica é um pouco diferente. A participação do aluguel médio de uma vaga de garagem sobre o aluguel total variou em dezembro de 2021, de 2,20% a 14,85% na cidade de São Paulo, com uma mediana de 9,35%. Em relação ao valor total, começa a partir de R$57,70 até R$1.025,60, com mediana de R$296,80. O centro expandido continua sendo uma região com participação abaixo da mediana da cidade, enquanto, por exemplo, o centro-sul (Itaim Bibi, Moema e Campo Belo) detém uma mediana de 10,7%, dessa vez, acima do padrão da cidade.
Figura 2. Participação do valor médio de locação de uma vaga de garagem sobre o valor total do imóvel
Os mapas acima apresentam um modo de expor os resultados do modelo, em que cada ponto representa um imóvel. Porém, é possível também visualizar os dados de forma agregada. Para isso, presente no Anexo, foram elaborados rankings com maiores e menores participações do valor da vaga de garagem – proporcional ao imovel – e as estatísticas descritivas, que permitem auxiliar na interpretação e compreensão dos resultados.
DISCUSSÃO
Não-linearidade
Nos resultados, apresentamos os dados tanto em valores nominais, quanto em valores proporcionais ao valor final do imóvel. A justificativa é de que um imóvel mais caro tende a acompanhar um valor de vaga de garagem alto também. Porém, em geral, essa relação é não-linear, em função da própria dinâmica do mercado imobiliário. Para melhor compreender este caso, podemos considerar um apartamento de R$ 100 mil, em que o valor médio de uma vaga é de R$ 10 mil. Próximo a ele, podemos encontrar um apartamento de R$ 200 mil, porém, a vaga neste local vale R$ 15 mil, ou seja, apesar do valor deste imovel ser o dobro do outro, o mesmo raciocínio pode não ser proporcional para a vaga de garagem. Isso porque, como mencionado na introdução, o preço de um imovel é definido por um conjunto de variáveis e amenidades.
Fatores de Influência
O fato de não existir um padrão único e bem definitivo da dinâmica de preços de vaga de garagem está relacionado, também, a diferentes motivos de demanda pelo espaço. Além do preço implícito da vaga de uma garagem determinado pela magnitude do valor total de um apartamento, podemos considerar outros fatores que influenciam no preço dele: acessibilidade (transporte público e infraestrutura de vias de escoamento e circulação), custo versus benefício do transporte, densidade demográfica, renda, segurança e dinâmica do mercado de trabalho.
Renda
Ainda que locais centrais, ao apresentarem uma maior concentração de negócios e empregos, ofereçam a vantagem de não precisar de veículo próprio, é possível observar regiões centrais com importância relativa na presença de uma vaga de garagem (expressa pelo preço). Isto porque, a demanda por um automóvel está correlacionada com a renda, de modo que regiões com maior concentração de renda apresentam uma maior propensão de obter um automóvel, apresentando uma maior procura por uma vaga de garagem. Exemplo disso, é a alta participação da locação média de uma vaga de garagem no distrito de Itaim Bibi, região central, ilustrada na Figura 2. Lembrando que estamos pensando no valor médio de 1 vaga de garagem.
Densidade demográfica
De acordo com Fujita e Ogawa (1982), famílias ao tomarem a decisão de localização de moradia, levam em consideração o custo de transporte, compensado pela queda no valor dos aluguéis. Isso é possível observar na Figura 2 e principalmente na Figura 1, em que regiões mais afastadas do centro, ao mesmo tempo que apresentam menor valor de locação e venda, demonstram maior porcentagem do valor de uma vaga em relação ao valor do imóvel. Além disso, mesmo com a presença de sistema de transporte público, metrô e CPTM, na região da Zona Leste – em que estão expressas as maiores porcentagens – estas não são suficientes para atender a elevada quantidade de pessoas na região, o que pode explicar uma maior demanda por automóveis próprios na região.
Acessibilidade e Infraestrutura
É de se esperar que a região central de São Paulo, onde estão localizados os bairros da República, Sé, Bela Vista e Liberdade, em função da maior disponibilidade de comércio ,serviços e emprego, faz com que haja maior investimento em infraestrutura de transportes na região, e isso se traduz em uma menor necessidade de vagas. Isso, de fato, é observado na dinâmica do mercado de vendas. Porém, segundo Igliori et al. (2016), regiões mais verticalizadas contribuem para uma maior densidade demográfica e pressão pelo lado da demanda pelos usos do solo. Nessas regiões, há ainda uma oferta limitada de solo, o que favorece para uma maior disputa por usos alternativos e, consequentemente, um aumento na demanda e no valor a se pagar por uma vaga, o que reflete a alta participação dos valores de locação de vagas de garagem.
Apesar de uma relativa grande disponibilidade de serviços de transporte público na região centro-sul e sul da cidade da capital paulista, a presença de diversas vias de fácil acesso funciona como estímulo para o uso de automóveis próprio, especialmente em direção às regiões centrais, como o centro da cidade e a região da Faria Lima e Berrini – pontos de alta densidade de emprego. Dentre outros fatores, esse é um dos pontos que explica o maior percentual do preço de vagas de garagem nessa região, tanto em relação a venda quanto locação.
CONCLUSÃO
Os resultados e discussões abordados ao longo do presente trabalho demonstram a complexidade do mercado imobiliário e da precificação de atributos de imóveis. Reflexo disso também está nos diversos fatores que podem estar explicando e influenciando a dinâmica dos preços de vagas de garagem, de modo que diferentes regiões contam histórias distintas. Em geral, nas transações de venda, conseguimos observar mudanças na participação do valor de vagas sobre o total do imovel, um padrão representado por um movimento perimetral, do centro da cidade em relação às extremidades. Enquanto para as transações de locação esse padrão não é tão bem definido, uma vez sua dinâmica é mais ágil do que a de venda.
ANEXOS ADICIONAIS
REFERÊNCIAS
FUJITA, Masahisa; OGAWA, Hideaki. Multiple equilibria and structural transition of non-monocentric urban configurations. Regional science and urban economics, v. 12, n. 2, p. 161-196, 1982.
IGLIORI, Danilo Camargo et al. Oferta Pública e Demanda Privada por Transporte em São Paulo: Uma Análise Espacial para Preços Implícitos de Vagas de Garagem. Latin American Real Estate Society (LARES), 2016.
SHEPPARD, Stephen. Hedonic analysis of housing markets. Handbook of regional and urban economics, v. 3, p. 1595-1635, 1999.
THORSNES, Paul; MCMILLEN, Daniel P. Land value and parcel size: a semiparametric analysis. The Journal of Real Estate Finance and Economics, v. 17, n. 3, p. 233-244, 1998.