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Cartas ao Mercado

Novo ciclo terá que esperar

25/04/2023
Cartas ao Mercado

Novo ciclo terá que esperar

25/04/2023

Nas últimas cartas justificamos a dificuldade em construir cenários para a economia brasileira pela incerteza sobre o comportamento do novo governo após a polarizada e acirrada eleição de 2022. Após mais de 100 dias de governo, da proposta concreta do arcabouço fiscal e de diversas sinalizações, nossas perspectivas para o ano estão mais claras, embora contornos exatos sejam ainda difíceis justamente pelo caminho escolhido pelo governo.

A pressão inflacionária ainda presente (apesar da queda do IPCA nos últimos meses, os núcleos permanecem em níveis altos) implica na necessidade de desaquecimento da economia, o que está sendo feito por meio da alta taxa Selic, para controlar a inflação. Aumento de gasto público tende a estimular a atividade econômica no curto prazo, mitigando os efeitos de taxas de juros maiores em decorrência da Selic maior, ou seja, sendo contraproducente ao remédio amargo que é o aumento da Selic.

Dessa maneira, a definição do regime fiscal que o governo seguirá nos próximos anos afeta de forma importante as principais questões do mercado residencial para 2023: i) juros e condições de financiamento imobiliário; ii) aquecimento do aluguel; e iii) custo de novas construções.

Devido ao aumento da taxa Selic e da diminuição de recursos disponíveis para financiamento imobiliário, a taxa média de financiamento imobiliário também tem aumentado desde o fim de 2021. Por sua vez, este aumento torna o imóvel menos acessível, afetando negativamente a demanda, o que pode ser visto nos números de concessão de crédito imobiliário para Pessoas Físicas (-9,9% nos 12 meses acumulados até fev/23 contra o período anterior). De fato, a taxa média é relativamente alta: 9,5% ao ano em fev/23, acima da média de 2017 (9,1%).

Como a taxa Selic é a taxa básica de juros da economia, sua redução auxiliaria a taxa de juros de financiamento também a cair. Por taxa básica de juros, entende-se uma taxa que baliza o custo de todas as operações de crédito. Como o financiamento imobiliário também configura uma operação de crédito, a Selic também faz parte do custo incorrido em tal concessão.

Por lei, o Banco Central persegue a taxa de inflação de 3,25% para 2023 e usa a taxa Selic como instrumento para atingir este objetivo – aumentando-a para diminuir a inflação, via aumento do custo de crédito. Logo, é fundamental para o mercado imobiliário o processo de convergência da inflação para a meta perseguida pelo Banco Central, para que assim se inicie o ciclo de cortes da Selic, permitindo que a taxa de financiamento imobiliário também caia.

Enquanto o mercado de compra e venda vive esse gradual esfriamento, o mercado de locação se mantém aquecido. O FipeZAP+ Brasil indica aumento anual de 17,2% dos preços de locação no país em mar/23. A aceleração do aluguel aconteceu durante todo o ano de 2022 devido às pressões inflacionárias provenientes desde 2021, incluindo o período que locadores deixaram de reajustar os preços para manterem os locatários no período mais difícil da pandemia, e também em função da melhora significativa do mercado de trabalho em 2022.

Contudo, a tendência é a desaceleração do aluguel, já que a inflação tem cedido e é esperado que o mercado de trabalho arrefeça durante o ano, como já mostram as taxas de desemprego de Janeiro e Fevereiro de 2023 (respectivamente, 8,4% e 8,6%, ante 7,9% em dez/22). O esfriamento é natural, decorrente de fatores que ocorreram em 2022 e devem ser revertidos neste ano, como a menor alíquota tributária sobre combustíveis, entre outras medidas do governo, o uso da poupança acumulada durante a pandemia e a própria demanda reprimida por serviços durante o isolamento social.

No entanto, caso os gastos do governo sejam maiores do que o esperado, parte do que não se esperava repetir este ano se repetirá: a injeção de recursos públicos para estimular a atividade econômica. Isso deve frear o esfriamento do mercado de trabalho, e, consequentemente, a desaceleração dos preços de locação.

Já o custo de novas construções em alta está ligado principalmente ao aumento do custo da mão de obra e matérias-primas, os quais se relacionam diretamente com o mercado de trabalho, inflação e dólar. O custo de construir é fundamental para a dinâmica futura do mercado imobiliário, pois este pressionará o preço de todo o estoque de imóveis no longo prazo.

Neste contexto, os gastos do governo exercem um papel fundamental na dinâmica de curto prazo do mercado imobiliário. Claro que existem outros fatores governamentais importantes para o setor, como o Minha Casa Minha Vida e as questões de regulação urbanística (os quais foram mencionados na Carta de Janeiro deste ano). Foquemos aqui na questão do orçamento.

De 2017 para cá, o Teto de Gastos tem sido a legislação que restringe o tamanho do Orçamento Federal – impondo basicamente que o gasto público federal não pode crescer acima da inflação (IPCA). Essas restrições ao Orçamento serão substituídas pelas novas regras do Arcabouço Fiscal que no limite permitem crescimento de gastos de até 2,5% acima da inflação ao ano. O novo conjunto de regras que limitará o orçamento está mais focado em equilibrar a dívida pública a longo prazo, por meio de metas de resultado primário (receita menos despesas, exceto pagamento de juros da dívida pública), do que limitar o montante da despesa pública em si. Ou seja, o novo regime fiscal é mais leniente à expansão fiscal do que o Teto de Gastos, principalmente em 2023 e 2024, anos cujas metas de resultado primário são menos ambiciosas.

Vale retornar ao que chamamos no início da carta, sobre a dificuldade de definir contornos exatos. O Arcabouço Fiscal institui um sistema de metas de resultado primário com banda superior e inferior, similar ao sistema de metas de inflação perseguido pelo Banco Central. O próprio governo determinará suas metas de superávit primário. Isso significa que o novo regime possibilita cenários mais e menos fiscalmente expansionistas, de maior e menor avanço na estabilização da dívida pública. Por isso, ainda será necessário acompanhar qual será o comportamento da administração vigente mesmo com a nova legislação orçamentária.

Caso o novo regime fiscal seja pilotado de forma parcimoniosa, isto é, com maior gasto público que o esperado anteriormente, mas de forma sustentável (o que configura nosso cenário base), a inflação deve demorar um pouco mais para convergir, o mercado de trabalho demorará mais para esfriar e o ciclo de cortes da Selic também será adiado. Portanto, neste cenário, o mercado de compra e venda continua em gradual retração até o fim do ano em decorrência das maiores taxas de juros de financiamento imobiliário e porque neste ínterim é improvável que já vejamos efeitos do Minha Casa Minha Vida já na ponta de venda. A ressalva para o cenário é a liberação de mais recursos para financiamentos imobiliários no geral, conforme proposta encaminhada ao Banco Central pela Abrainc, Secovi-SP e SindusCon-SP, o que ajudaria a taxa de juros imobiliária a cair.

O outro lado dessa mesma moeda é que a desaceleração do mercado de locação residencial também será freada em relação ao que era esperado. O maior nível de gastos públicos atenuará a trajetória de arrefecimento do mercado de trabalho, o que vai diminuir a desaceleração do aluguel. Ainda assim, esperamos que os preços de locação desacelerem em 2023, porém, em intensidade menor do que a esperada.

Por fim, os custos de novas construções também devem resistir em patamares relativamente elevados por mais tempo. Afinal, o impacto positivo do novo regime fiscal no mercado de trabalho significa que o custo de mão de obra continua a pressionar, a inflação maior também pode afetar algum insumo específico, assim como a maior demanda por insumos proveniente das construções do Minha Casa Minha Vida. Boas notícias podem vir do câmbio aqui, não por causa do Arcabouço Fiscal, mas eventualmente por fatores externos.

À luz das sinalizações da nova administração federal, revisamos nosso cenário ajustando o nível de gasto público para cima. Com isso, a trajetória do ajuste da economia para que a inflação convirja a meta é atenuada, assim como um novo ciclo sustentável é adiado. A mesma coisa acontece no setor imobiliário. A boa notícia é que o ciclo sustentável ainda está no horizonte.

Grande abraço e bons negócios,

DataZAP+

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